Estar solteiro nunca foi um fato social bem aceito. E na modernidade, são cada vez mais constantes as queixas sobre a solidão. Mas estar só não seria uma opção viável e saudável? Para Schopenhauer, a autossuficiência é condição essencial para a uma vida feliz
Para Schopenhauer, qualquer desejo, seja o de relacionamentos efêmeros ou o de laços duradouros, nasce da falta, e, quando é concretizado, perde o seu valor...
Abnegação, resignação, desapego: palavras centrais para a compreensão correta do que é exaltado por Schopenhauer. Influenciado pelo Budismo, pela Filosofia oriental e, de certa forma, pelo Cristianismo, que teve vários de seus mandamentos e ensinamentos interpretados por ele como espécies de alegorias da negação de vontade, tudo na obra shopenhaueriana, no que concerne à sabedoria, ao que seria mais frutífero para o interior da espécie humana, é repleto, esparge, lança ao ar, direta ou indiretamente, a procura pela tranquilidade, por algum tipo de desligamento, pelo aniquilamento, dentro do possível, de impulsos, desejos.
André Comte-Sponville sobre relacionamentos: “Há casais fiéis e outros não. Pelo menos se entendermos por fidelidade, nesse sentido restrito, o uso exclusivo do corpo do outro. Por que só amaríamos uma pessoa? Por que só desejaríamos uma pessoa? Ser fiel a suas ideias não é ter uma só ideia; nem ser fiel em amizade supõe que tenhamos um só amigo. Fidelidade, nesses domínios, não é exclusividade. Por que deveria ser diferente no amor?” |
Tratando do amor, especificamente, ele defendia que, em função da vontade, ambicionamos preservar a espécie. O amor, nessa esteira, seria uma ilusão: “Nenhuma união é tão infeliz quanto esses casamentos por amor – e precisamente pelo fato de que o seu objetivo é a perpetuação da espécie, e não o prazer do indivíduo”. “Só um filósofo pode ser feliz no casamento, e os filósofos não casam”. O verdadeiro mote, por trás da vontade de reproduzir, seria, em suma, a preservação da espécie, e para isso, “cada qual procura um companheiro que vá neutralizar seus defeitos, para que esses não sejam transmitidos”.
Em sintonia com todos esses pontos, há de se lembrar que, para o pensador alemão, qualquer desejo, não excluídos seja o de relacionamentos efêmeros, de satisfazer impulsos imediatamente, ou o da edi ficação de laços mais duradouros, nasce da falta, e, a partir do momento no qual é concretizado, perde o seu valor. “(...) a vida oscila, como um pêndulo, da direita para a esquerda, do sofrimento para o aborrecimento: estes são os dois elementos de que ela é feita, em suma”. A falta geraria dor e desejo; este, na medida em que é alcançado, não satisfaria de modo consistente, duradouro, dando lugar ao tédio que, para Schopenhauer, é ainda pior para o homem do que o estado de ansiedade e sofrimento da falta, quando se quer algo que não se possui. “E a realização nunca satisfaz; nada é tão fatal para um ideal do que a sua realização”. E além disso, “A paixão satisfeita leva com mais frequência à infelicidade do que à felicidade. Porque suas exigências muitas vezes conflitam tanto com o bem-estar pessoal do interessado, que o prejudicam”. Nessa última passagem nota-se que não apenas a fugacidade dos louros colhidos com o atingir de um objetivo aparece como argumento contra a busca dele. O próprio processo de esforço para tal, em que frequentemente temos nosso “bem-estar” ferido, surge como ponto a ser observado, como diligência, digamos, com pouco “custo-benefício”.